Jardins Suspensos da Babilônia
Detalhes do Projeto:
Arquitetos:
Guy François Lapouble Corrêa, Ivana Aparecida Pinheiro de Matos, Margaret Cristina Pinheiro de Matos Gontijo, Tatiana Barreto Bravo e Tiago Castelo Branco Lourenço
Colaboradores:
-
Ano do Projeto:
2001
Local:
Belo Horizonte, MG, Brasil
Imagens:
Guy François Lapouble Corrêa e Tiago Castelo Branco Lourenço
Outras Informações:
Concurso: Maratona de Projetos do 1º Integrado de Arquitetura e Urbanismo
Prêmio: 1º Lugar
Memorial Descritivo
“JARDINS SUSPENSOS DA BABILÔNIA”1
Entre os dias 18 e 19 de Maio de 2001 fora realizado, dentro das programações do I Integrado de Arquitetura e Urbanismo uma Maratona de Projetos; das 10:00 horas da manhã do dia 18 às 14:00 horas do dia 19. Os futuros arquitetos e urbanistas das quatro escolas de Belo Horizonte na ocasião, Escola de Arquitetura da UFMG, Faculdade de Engenharia e Arquitetura do Centro Universitário FUMEC, Faculdade de Arquitetura da PUC-Minas, Faculdades Metodistas Integradas Izabela Hendrix, estiveram envolvidos numa proposta que buscou soluções para uma das muitas áreas degradadas do centro da Capital Mineira. No caso, um lugar comum, comum porém imantado. A área, objeto de preocupação das equipes envolvidas nesse concurso relâmpago, envolvia os quarteirões próximos as ruas São Paulo, Curitiba, Guaicurus e as avenidas Oiapoque, Santos Dumont e Contorno, uma região que tradicionalmente abrigou a zona boêmia da cidade, tendo um significativo número de prostíbulos e bares.
Na reconfiguração deste espaço, buscamos um reforço de vitalidade tratando a área como referência na paisagem urbana, com todo o caráter cívico, e não somente como área residual. Cívico porque se refere ao que pertence a uma cidade, que todos compartilham. Ou pelo menos gostariam de compartilhar…
Eixos visuais precisavam ser induzidos através da inserção de elementos ordenadores da leitura do espaço. Elementos estruturadores do percurso que reforçassem a essência, fazendo da intervenção proposta um verdadeiro Projeto de Comunicação Visual ou, melhor dizendo, de visadas?!
“Formavam-se grupos e todos tomavam a mesma direção,(…) até virarem em Espírito Santo, Rio de Janeiro ou São Paulo que eram os caudais que desaguavam no quadrilátero da zona,(…) as ruas ladeiravam até despencar no Arrudas. Assim esse trecho da cidade ficava numa depressão. Para nele chegar era preciso marchar rampas abaixo e daí o significado de descer dado pelo belorizontinos à ação de ir a zona, à patuscada, à farra, ao cabaré lá embaixo e, por extensão, a de ter coito. Vamos descer, Há dias que não desço. Esse mês tenho descido demais. Você desce? Hoje desço. Não desço. Não sei se desço. Descer ou não descer eis a questão…” ( NAVA, 1985)
Para o arquiteto, a cidade, como fenômeno urbano, tem um especial interesse por ser o cenário essencial da sua atividade, é o modo pelo qual a obra arquitetônica – o edifício – integra o sistema da cultura. Segundo ARGAN (1998), “na cidade todos os edifícios, sem excluir nenhum, são representativos e com freqüência representam as malformações, as vergonhas da comunidade. É o caso das montanhas de lixo (…) acumulado nas cidades e das quais se diz com muita freqüência que não são arquitetura, ainda que assim o sejam, e representativos de uma desditada realidade social e política”. Claro não se trata apenas de malformações e vergonhas da comunidade, ou de uma desditada realidade social e política, mas da realidade, independentemente dos adjetivos. Afinal, “fazer um projeto é responder a um conjunto de necessidades sociais, políticas e individuais” (CORONA MARTÍNEZ, 1991)
A questão de ter sido inserido na cidade uma região tida, genericamente, como zona de prostituição, é conseqüência de todo um complexo político, econômico, social e cultural que não nos cabe abordar agora, senão como motivo suficiente que explica a não remoção ou descaracterização do local. A zona boêmia existe, agrada e paradoxalmente, incomoda. A proposta então, visa a requalificação da região tendo, como os principais usuários dessa intervenção, os homens e mulheres que ali já circulam.
A proposta “Jardins Suspensos da Babilônia”(Nota 1) obteve o primeiro lugar entre as concorrentes, partindo do princípio apontado pelo Arquiteto e Urbanista Paulo de Mello Bastos, “(…) recicla-se o patrimônio para ele ser usado. O que melhor conserva é o uso, a vida. Não tem sentido expulsar a população” (BASTOS, 2001). A equipe autora da proposta não pretendia simplesmente revitalizar a área alterando seu uso, como ocorreu em várias propostas semelhantes durante toda a década de 90, que recorriam à criação de centros culturais em edifícios antigos que acabavam por requalificar todo o seu entorno, esvaziando seu uso anterior e expulsando a população que ali convivia.
O projeto apresentado envolve cinco intervenções: a criação de uma torre que deu o nome a toda a proposta, a restauração das fachadas lindeiras das ruas envolvidas, a criação de um calçadão envolvendo, a avenida Oiapoque, a rua Guaicurus e rua São Paulo, a construção de uma trincheira sob o calçadão na rua São Paulo e a transferência da ASMARE – Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Materiais Reaproveitáveis de Belo Horizonte – atualmente instalada num galpão onde será erguida a torre “Jardins Suspensos da Babilônia”, para a edificação que abrigou no passado a cervejaria Antarctica.
A torre proposta tem como intenção requalificar o local onde será inserida e o uso desta construção visa atender as várias demandas dos freqüentadores da região: Centro Médico, Centro de Apoio a Prostituta, Abrigo para Moradores de rua, Centro de Aperfeiçoamento Profissional e um Restaurante Popular. Passarelas partirão do edifício interligando todo a região às suas principais saídas – Estação Rodoviária, Estação do Metrô da Lagoinha, Avenida Santos Dumont e novo galpão da ASMARE.
O espaço objeto deste trabalho, por ocupar uma posição marginalizada dentro do contexto belorizontino, acabou preservando um expressivo acervo histórico justificando, assim, a restauração das construções lindeiras valorizando as manifestações arquitetônicas presentes na região, e chamando a atenção de toda cidade para as várias facetas de sua história.
O edifício que anteriormente abrigava a Cervejaria Antarctica é um importante acervo das primeiras manifestações arquitetônicas da cidade, um galpão construído no estilo eclético no início do século XX que se encontra em um estado delicado de conservação e abandono. A proposta para essa construção envolve sua restauração e sua ocupação pela Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Materiais Reaproveitáveis de Belo Horizonte – ASMARE, criando ali sua sede principal em uma região onde existem vários pequenos pontos destinados a esta atividade. Ao centralizar essa entidade na antiga fábrica, cria-se a possibilidade de um espaço mais amplo para os envolvidos, além de possibilitar uma maior exposição e divulgação do seu trabalho frente a toda Belo Horizonte.
Cria-se um calçadão na rua Guaicurus, em um trecho da São Paulo, e na avenida Oiapoque, que irá propiciar a abertura de áreas de respiração na cidade, tornando possível algumas visadas reveladoras de Belo Horizonte, que muitas vezes não são percebidas por estarem contidas em espaço de passagem. O Calçadão abrigará os camelôs que já utilizam o local para realizar seus negócios, e contará também com uma expressiva arborização, sendo plantadas novas árvores além das já existentes.
A Rua São Paulo atravessa a área da intervenção proposta e é um importante eixo de ligação entre a Avenida do Contorno e a Avenida Afonso Pena, sendo assim, uma via que suporta um expressivo tráfego. Devido à importância dessa via para o trânsito da região, e sendo necessário um efeito menos impactante desta sobre a nova proposta do seu entorno, optou-se então por uma trincheira, proporcionando uma ligação do calçadão da Avenida Oiapoque com a Rua Guaicurus e ainda, para o bom funcionamento do tráfego de veículos na região, mudou-se o sentido de parte da rua Curitiba.
Os Jardins Suspensos da Babilônia como todo o entorno onde está inserido, vêm para incomodar, para comunicar à cidade, numa linguagem visual, a sua história, suas diferenças ainda não resolvidas, mas também para agradar pela funcionalidade e possibilidade de construir propostas que tornem as cidades mais humanas e democráticas, irradiando com seus tentáculos a sedução, a atração e a depravação, se tornando uma imagem, um monumento para que quiser saber para onde se deve descer, nos fazendo concluir, que o novo não se inventa, se descobre. Afinal já estava tudo lá.
Outras Imagens do Projeto
NOTAS
1. Babilônia sempre esteve associada no imaginário judaico-cristão ao pecado, á perdição, e seus jardins suspensos, construídos pelo seu rei Nabucodonosor, nome usado pela equipe vencedora durante o concurso, foi considerado como uma sete maravilhas do mundo antigo.
BIBLIOGRAFIA
ARGAN, Giulio Carlo. História da Arte como História da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
BASTOS, Paulo. Recicla-se o patrimônio para ele ser usado; o que melhor conserva é o uso, a vida. In: Projeto Design 255. São Paulo: Editora Arco, P.98-101,2001.
NAVA, Pedro. Beira Mar . São Paulo: Editora Nova Fronteira 1983.
MARTÍNEZ, Alfonso. Ensayo sobre el Proyecto. Buenos Aires: CP67, 1991.
Projeto Design. Projeto Design 233 São Paulo: Editora Arco, 1999.
Projeto Design. Projeto Design 251 São Paulo: Editora Arco, 2001