Projetos

Revitalização Vila do Marzagão


Detalhes do Projeto:

Arquitetos:

Guy François Lapouble Corrê e Tiago Castelo Branco Lourenço

Colaboradores:

-

Ano do Projeto:

2004

Local:

Sabará, MG, Brasil

Imagens:

Guy François Lapouble Côrrea

Outras Informações:

Concurso: Prêmio Pré-fabricados 2004.
Prêmio: Classificado.
Maquete: Carlos Roberto de Souza Soares, Diego Fonseca Pereira, Olcimar Campos e Tiago Castelo Branco Lourenço


 


Memorial Descritivo

Revitalização Vila do Marzagão 

(…) Convidou consigo a Sinhá, comprando-lhe passagem para aquele intato lugar, empregou-a também na fábrica de Marzagão. Sobre os anos, foi pois quem dela pode testemunhar o verossímil.

Moraram numa daquelas miúdas casas pintadas, pegada uma a outra, que nem degraus da rua em ladeira, que a Sinhá descia e subia, às horas certas, devidamente, sendo a operária exemplar que houve, comparável às máquinas, polias e teares, ou com o enxuto tecido que ali se produz.(…)

 SINHÁ SECADA

JOÃO GUIMARÃES ROSA

Pelas palavras de Guimarães Rosa iniciamos apresentação deste trabalho, este é um trecho de um conto que tem como cenário a localidade escolhida para a realização desta reflexão arquitetônica e urbanística, a Vila do Marzagão.

Este lugar se encontra nas imediações da periferia das cidades de Belo Horizonte e Sabará.

Instalada desde 1878, a fábrica do Marzagão, que originou a vila, foi uma das primeiras a se dedicar à atividade industrial em Minas Gerais.

A partir de 1915 passou a ser administrada pela família Carvalho de Brito quando conheceu seu período de esplendor, desde então a localidade adquiriu a conformação urbana que ainda pode ser observada.

A Vila do Marzagão é uma típica vila fabril do final do século XIX e início do XX, podemos encontrar no lugar uma concepção urbana com as características das vilas modelos de Owen e dos falanstérios de Fourier.

A produção de tecidos, o principal produto oferecido ao mercado pela fábrica do Marzagão, foi desde 1950, sendo substituído pela fabricação de lonas e cordonéis para a Indústria de Pneus Brasil, localizada na cidade do Rio de Janeiro, também de propriedade da família Carvalho de Brito.

Neste momento, o empreendimento no arredor de Belo Horizonte e Sabará não eram mais o principal negócio como foi em outros períodos, já que sua indústria no Rio de Janeiro alavancava maiores lucros.

Entretanto, a partir de 1955, essa situação sofre uma reviravolta. Juscelino Kubitschek, o novo presidente da república, promove durante seu governo, a abertura do mercado brasileiro para produtos externos. A Indústria de Pneus Brasil que recebia anteriormente incentivo fiscal e tinha o monopólio da fabricação de pneus no Brasil, com a abertura do mercado brasileiro não suportou a concorrência externa e entrou em decadência, e junto levou a fábrica da Vila do Marzagão.

Em 1972, a decadência daquela indústria se apresentava em uma situação irrecuperável. Assim, a família Carvalho de Brito se afasta da condução da fábrica, vendendo essas propriedades para outro grupo empresarial envolvido no ramo da tecelagem, a Paraopeba Industrial S/A. Neste mesmo período o grupo Carvalho de Brito passou a se denominar União Rio Empreendimentos S/A, restringindo-se a partir de então o envolvimento deste grupo com a vila, a algumas casas de operários, que continuaram como suas propriedades, cobrando-se dos seus moradores um aluguel por ocuparem os imóveis.

Até início da década de 80 outros grupos empresariais que atuam no ramo de tecelagem tentaram alavancar ali um novo negócio, entretanto não obtiveram sucesso. Em 1983 os galpões da antiga fábrica foram ocupados pelas confecções Marcel Phillipe.

Atualmente a Marcel Phillipe têm ocupado parcialmente seus galpões, encontrando cerca de 80% vazios sem nenhuma utilização, uma significativa parte de seu processo produtivo é realizado fora de suas dependências. Os proprietários da empresa têm buscado alternativas para a utilização destes espaços ociosos, existe a intenção de se fazer no local um centro de convenções com atrativos turísticos.

A comunidade que ocupa a vila atualmente e composta por inquilinos da União Rio Emprendimentos S/A, uma boa parte foram empregados em outros momentos da fábrica do Marzagão, poucos se encontram envolvidos com a Marcel Phillipe, é uma população de baixa renda.

Entre os novos ocupantes daquele conglomerado urbano encontraremos o Grupo de Teatro Kabana, que atualmente ocupa o galpão que servia de depósito de algodão da fábrica do Marzagão.

Por estar inserida num contexto urbano onde ocorre um forte processo de favelização, a Vila Operária do Marzagão se encontra bastante degradada, não havendo o interesse dos proprietários dos imóveis na recuperação destes. Muitas das casas que compunham a vila foram demolidas pela União Rio Empreendimentos S/A. Segundo a população que habita a vila, a empreendedora tem o interesse de fazer ali um condomínio fechado e retirar os atuais ocupantes.

Umas das manifestações da comunidade local de maior relevância nos últimos tempos são suas constantes chamadas à sociedade mineira, levantando a importância de se preservar aquela vila. Atualmente, a decadência inaugurada na década de 50, tem levado a perda de importantes edificações que compunham aquele microcosmo urbano.

A vila e seu entorno são caracterizados por uma importante deficiência de inúmeros equipamentos urbanos, acompanhando uma situação encontrada em outras localidades brasileiras, onde se observa uma falta de infra-estrutura e condições minímas de civilidade. Um espaço para o lazer é uma das necessidades encontradas na região.

Premissas da intervenção 

É pena que, em geral, quando se pensa em “preservar” uma área urbana qualquer, tudo o que se invente logo implique tirar aquela gente pobre que está lá, encardindo, incomodando. Ninguém pensa que seções inteiras de nossas cidades não estariam aí, em pé, se não fossem usadas por hotelzinhos, oficinas, lojinhas, prostitutas, bares, depósitos, manufaturas, clubes e associações, cabeças-de-porco… Pardieiros sim, mas vivos, funcionando. Se alguém quiser saber a diferença deixe uma casa nova em folha vazia, sem uso nenhum por uns cinco anos, virará uma ruína. Temos de agradecer, portanto, as camadas mais pobres. Há quase duzentos anos são os maiores guardiões do nosso patrimônio. Já é tempo de tentar retribuir-lhes o favor, dignificando os espaços em que vivem e trabalham, sem espoliá-los.

Carlos Nelson Ferreira dos Santos

 As palavras de Carlos Nelson Ferreira dos Santos foram um norte importante para a elaboração desta proposta de intervenção utilizando o pré-fabricado de concreto.

Os moradores da Vila do Marzagão nutrem uma grande identidade pela localidade: estar ali, para eles, diz respeito a uma determinada postura frente ao mundo. Extrapolando as questões financeiras, que também fazem parte das preocupações daqueles que hoje ocupam aquela área, a produção daquele espaço, elaborada por eles, promoveu um forte vínculo que deve ser levado em conta em qualquer proposição de intervenção no lugar. A busca por uma nova atividade que dinamize a realidade local deve ser tratada com precaução.

O novo uso apresentado pela proposta busca atender a deficiências observadas na região bem como uma solicitação presente no discurso dos moradores e da população dos bairros lindeiros, criação de espaços de lazer.

A proposição da Marcel Phillipe de fazer em suas dependências um Centro de Convenções pode a princípio parecer interessante, entretanto, acreditamos que esse tipo de atividade levaria em longo prazo a expulsão dos moradores da região transformando assim o seu conteúdo social.

O uso proposto por esse trabalho busca criar um espaço que atenda os anseios de retorno financeiro dos proprietários da Marcel Phillipe, bem como crie uma área de lazer que atenda uma das necessidades da população local.

A manutenção da população local e a elaboração de espaços que valorize e atenda estes agentes sociais são importantes premissas desta proposta, bem como a proposição de elementos arquitetônicos que destaquem a trajetória das edificações objetos da intervenção.

A arquitetura apresentada neste trabalho procurará marcar os diferentes momentos pelos quais os prédios atravessaram durante sua história, buscando um diálogo com o passado sem perder a dimensão do presente, edifícios ou intenções de construção que nos remetam as transformações, a história.

Uma tentativa de estabelecer uma conversa entre diferentes temporalidades, onde não se buscou o consenso arquitetônico, mas sim destacar o conflito, garantir a autonomia e a diversidade, sem perder a noção de conjunto, de unidade, dois tempos e um grande bate-papo.

 

Pré-fabricado de concreto e a intervenção 

Dentro das premissas apresentadas o pré-fabricado de concreto atende como uma importante opção de técnica construtiva.

Apresenta uma linguagem contemporânea para a elaboração de uma arquitetura que busque um diálogo com o contexto de sua inserção atendendo as premissas de projeto apresentadas acima.

O concreto é um material de uma longa vida útil, não exigindo uma constante manutenção, característica importante tendo em vista o contexto onde se apresenta a proposta.

As reduções de prazo de obra, precisão das peças de pré-fabricado de concreto, racionalização do processo construtivo reduzindo drasticamente os desperdícios na obra, são características já bastante conhecidas do pré-fabricado de concreto, que devem sempre ser lembradas no momento da escolha deste processo construtivo.

A partir dos fatores levantados acima a proposta aqui apresentada entende que esta técnica construtiva é uma importante contribuição aos preceitos norteadores deste trabalho, reforçando o desejo de possibilitar a qualidade de vida para a Vila do Marzagão e seu entorno.

Fábrica do Marzagão 

A proposição de elementos arquitetônicos que destaquem a trajetória histórica das edificações é uma diretriz importante para o trabalho. As intervenções empreendidas no edifício que abrigou a fábrica do Marzagão buscaram atender a esse preceito.

Os galpões que compõem o conjunto da fábrica já sofreram inúmeras modificações buscando atender as demandas de seu tempo. Uma destas alterações mais expressivas a retirada dos sheds que formavam a sua cobertura e o aumento de seu pé-direito em 2,00 metros. As demais mudanças se deram no interior dos edifícios, alterações de layout dentre outras que não geraram transformações significativas no volume dos prédios.

A proposta aqui apresentada busca retomar algumas características formais do edifício, especialmente os sheds como opção de cobertura. Buscou-se uma releitura deste elemento arquitetônico atribuindo-o uma linguagem contemporânea, possibilidade alcançada com a utilização das opções oferecidas pelo pré-fabricado de concreto.

Os novos sheds não irão predominar em toda a cobertura conforme ocorria no original, estarão em primeiro plano para aqueles que chegam à vila, será a cobertura de uma academia que irá compor o conjunto. Estes sheds formarão um conjunto de placas de concreto na vertical com cores em quatro variações (vermelho, violeta, ocre e verde). O sheds anteriores eram voltados para o sudoeste, na opção proposta será direcionado para o nordeste, esta locação atende melhor as questões de conforto térmico-ambiental da edificação, pois recebem uma incidência solar no período matutino. Além destas questões de conforto ambiental a inversão dos sheds garante mais um diferencial em relação ao que ali existia.

Os outros elementos que irão compor a intervenção buscam aumentar os pés direito para atender os usos propostos. Temos uma área de aproximadamente 1551 m2 reservada para quadras poli esportivas e vestiários que atenderão também a academia, e por isso são necessários 9,00 m de pé-direito para termos estes equipamentos. Sobre este pavimento terá um outro que abrigará um ciberespaço, com jogos eletrônicos, computadores e uma sala multiuso além de toda a área de apoio para o seu funcionamento.

Para a área de piscina temos 10,00 m de pé direito. Os volumes do bloco da piscina em conjunto com o das quadras e do ciberespaço formam um galpão com o partido em “L” que proporciona um cenário para os sheds da academia. Este bloco terá a predominância da cor azul.

Temos um outro ambiente que irá compor os usos propostos, uma área de 1620 m2 aproximadamente será destinada à criação de um espaço para festas, onde poderão ser realizados bailes e pequenos shows conforme já ocorre na vila. Este setor terá uma área reservada para o palco e uma pista de dança; neste local temos um pé direito com 11,00 m de altura, formando com placas de concreto na vertical com diferentes alturas uma relação com uma curva que faz parte do antigo volume do galpão.

As intervenções realizadas no galpão serão recuadas em relação a atual fachada, estas continuam com a função de vedação dos ambientes que serão criados. A estrutura que sustenta a cobertura e as vedações dos blocos que ultrapassam a altura do atual galpão será posicionada na face interna destas paredes.

Os usos propostos para o galpão visam à criação de um equipamento de lazer urbano, com atividades esportivas, recreativas, cibernéticas e de reflexão, deficiências encontradas na região, atendendo a demandas pela inclusão digital, e a inclusão a atividades esportivas e de exercício corporal.

Os serviços que serão prestados para a população serão gerenciados pelos proprietários dos galpões, a empresa Marcel Phillipe, que conforme já foi demonstrado em outros momentos tem interesse em realizar outras atividades em suas dependências, as atividades propostas aqui atendem aos anseios da população diretamente envolvida com a localidade, tendo então significativas possibilidades de retorno do investimento.

Praças da Memória Hipostática 

Pois a União Rio nunca demonstrou interesse em preservar nossa vila. Se ainda existem essas poucas casas e por que nós preservamos e não deixamos que as mesmas fossem derrubadas.

Por que esse agente não faz nada para melhorar o lugar, e não se preocupa com esse patrimônio histórico.

Tudo que a gente quer fazer eles vem, e embarga como: plantar, limpar, cuidar, construir ou melhorar. E o aluguel esta sempre subindo.

Por que a União Rio não faz nada para preservar e sim só sabe destruir as poucas casas que ainda estão de pé.

Por que o interesse desse agente e acabar com tudo que resta aqui.

Depoimentos colhidos com os moradores da Vila do Marzagão acerca das demolições ocorridas no lugarejo

Uma estrutura hipostática é aquela que se encontra em condições abaixo do mínimo para garantir sua estabilidade, não interessam as edificações, pois podem cair.

A criação de praças, esta é outra proposta deste trabalho, espaços que valorizem o vazio, a ausência, a saudade.

Nos locais onde antes existiam casas irão se erguer praças, monumentos, jazigos para lembrarmos de sua ausência.

Estas praças serão grandes lajes alveolares no formato da locação da edificação que antes existia, sobre estas lajes ergueram pilares e vigas dispostas de tal maneira que chamem a atenção para a instabilidade, a falta de equilíbrio, a ausência de harmonia.

As lajes serão dispostas permitindo aberturas onde serão instaladas luminárias, proporcionado um efeito luminotécnico nos elementos estruturais colocados acima. As lajes serão vermelhas e as estruturas em concreto aparente. As estruturas utilizadas irão remeter ao número de pavimentos das edificações que antes existiam ali, os pavilhões de dois pavimentos terão suas praças utilizando pilares de pré-fabricado de concreto para construções deste porte, a mesma situação irá ocorrer nas praças feitas sobre as ruínas das construções de um pavimento.

Memória, reminiscência, lembrança, recordação.

Finalmente

(…) Ao invés de retirar este patrimônio de seu circuito próprio, é fundamental respeitar e compreender seus vínculos profundos com aqueles que o produziram: trata-se de reconhecer que, neste saber-fazer, preservar, difundir, aprender e refazer práticas são elementos indissociáveis. Por isto, é necessário afastar qualquer tentação de congelar este patrimônio, como se esta fosse a única forma de garantir sua sobrevivência.

Olga Brites da Silva


Outras Imagens do Projeto