Thanatos Bar
Detalhes do Projeto:
Arquitetos:
Tiago Castelo Branco Lourenço
Colaboradores:
João Augusto Diniz (Orientador)
Ano do Projeto:
2003
Local:
Imagens:
Tiago Castelo Branco Lourenço
Outras Informações:
Maquete: Tiago Castelo Branco Lourenço
Memorial Descritivo
Este é um projeto conceitual desenvolvido dentro da disciplina “Transarquitetura” ofertada durante a graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade FUMEC.
A morte
Para pensar um cemitério, entendo ser importante uma viagem no tempo, para poder observar como o homem no decorrer de sua existência tratou o sono eterno.
O ser humano em sua estada no mundo, sempre teve na moprte uma de suas importantes preucupações, dentre os vestígios arqueológicos sobreviventes da história, uma boa parte é vinculada a essa temática. Esta situação demosntra como a eternidade é um conflito constante em nossa existência.
As casas para os vivos, pelo menos os mortais, eram construídas com materiais mais delicados à foraça do tempo, o mesmo não é observado nas residências mortuárias, geralmente construídas com materiais que suportam mais os intemperiés mundanos como as pedras.
Para aprofundarmos um pouco mais sobre esses comportamentos da humanidade, iniciaremos pelo período medieval, quando o cristianismo se consolidou no mundo ocidental e passou a exercer uma relevante influência sobre o olhar do mundo cristão sobre a morte.
A Morte desejada: Promiscuidade entre vivos e mortos
“(…)Este asilo torna-se um local de encontro ou de reunião, para se fazer comércio, para se dançar e jogar ou muito simplesmente para o prazer de conviver.” Philippe Ariés
Estas são palavras do historiador Philippe Ariés ao verificar a relação do homem medieval com o espaço reservado para os mortos.
Durante este período da História Ocidental a Igreja e o Cemitério se confundiam, o edifício religioso era envolvido pelo Azylus Circum Ecclesiam ou Campo Santo. Todo o solo do local era utilizado para depositar os restos mortais dos que desejavam a salvação eterna.
Dentro da percepção daquele homem, ser enterrado próximo a um santo era a garantia de vida eterna, pois, este iria interceder junto ao todo poderoso no momento do juízo final.
Segundo o homem medieval a vida terrena era uma passagem, a morte seria o verdadeiro nascimento para a existência humana, a verdae sobre o homem estava fora deste mundo.
Morte Retórica
“A partir do século XVIII, o homem das sociedades ocidentais tende a dar à morte um sentido novo. Exalta-a,e dominadora (…) se preucupamenos com a sua própria morte (…) e antes de mais nada a morte do outro; o outro cuja lamentação e saudade inspiram ao século XIX e ao século XX oculto novo dos túmulos e dos cemitérios.” Philippe Ariès
“(…) vai-se então visitar o túmulo de umente querido como se vai a casa de um familiar ou a uma casa própria, cheia de recordações. A recordação confere ao morto uma espécie de imortalidade. (…)” Philippe Ariès
A Proibida
A proposta de mudança do lugar dos mortos do interior das igrejas e seus arredores para fora do espaço urbano já estava presente na Europa desde o final dos setecentos. A medicina social e sua teoria dos miasmas, colocavam o cemitério dentro das cidades e no interior das igrejas, como um dos maiores inimigos a saúde humana. Os corpos putrefados liberavam gases nocivos aos vivos, era necessário transferir as cidades dos mortos para um lugar afastado onde esses miasmas não representassem perigo.
Na primeira metade do século XIX, essas idéias da medicina social já estavam presentes no Brasil, as primeiras escolas de medicina aqui instaladas, nasceram fortemente influenciadas por esse ideário. Os indivíduos formados por estas instituições iriam propor várias medidas de caráter sanitaristas para as cidades brasileiras, uma dessas ações foi a transferência dos cemitérios do interior das cidades para seus arredores.
Belo Horizonte foi uma cidade pensada dentro dos preceitos sanitaristas vigentes no final do século XIX.
Nos primeiros meses de construção da nova capital a localização do cemitério foi uma das questões que preocupava a comissão construtora, conforme descreve Abílio Barreto:
“(…) o número de corpos aí inumados era tal que, ao abrir qualquer sepultura, encontravam-se restos deles ainda mal decompostos, o que importava em sério perigo para a salubridade pública (…)”.
O cemitério definitivo, que teria o nome de Bonfim, ficaria a “(…) 650 metros do perímetro urbano (…) em um lugar alto e arejado (…)”. A descrição apresentada por Barreto mostra a proximidade das concepções urbanas da comissão construtora da nova capital de Minas Gerais em relação a cidade dos mortos, com propostas urbanas que estavam em voga na Europa e em outras cidades brasileiras.
A Morte Ignorada
“A morte, outrora tão presente, de tal modo era familiar, vai desvanecer-se e desaparecer. Torna-se vergonhosa é objeto de um interdito. (…) Já não morre em casa, no meio dos seus; morre-se no hospital, e só.” Philippe Ariès
“O luto solitário e envergonhado é o único recurso, como uma espécie de masturbação.” Philippe Ariès
“(…) A morte é um fenômeno técnico obtido pela paragem dos sentidos (…) decisão do médico e da equipe hospitalar. (…) São eles os senhores da morte, (…) uma morte acetável será uma morte tal que possa ser admitida ou tolerada pelos sobreviventes. (…) É precisamente a emoção que há que evitar, tanto no hospital como na sociedade em geral.” Philippe Ariès
“(…) Ninguém tem o direito de se emocionar senão em privado, isto é, às escondidas.” Philippe Ariès
“Um desgosto demasiado visível não inspira piedade mas, repugnÂncia; é um sistema de desarranjo mental ou de má educação; é morbido. No seio do círculo familiar hesita-se ainda em deixar exteriorizar a dor, por receio de impressionar as crianças. Só existe o direito de chorar se ninguém nos vir nem nos ouvir. (…)” Philippe Ariès
A dúvida permanece
O Antropólogo Claude Levi Strauss utiliza de um bom exemplo para distinguir a presença do homem no mundo e a natureza. Para ele o alimento podre é a natureza agindo e se transformando, o alimento cozido é a cultura, o homem agindo e transformando a natureza.
Após os amplos avanços da humanidade sobre a natureza nos colocando como senhores do universo a única certeza que temos na vida e que a natureza no final vence e engole nossa existência o restante são possibilidades.
Thanatos Bar
A proposta de cemitério aqui colocada apresenta um bar, retomando algumas das tradições primordiais do Brasil, tradições essas que podemos encontrar ainda nos rincões deste país, a tradição de “beber o morto”.
Ao invés de simplesmente deitar o defunto em seu esquife cobrindo-o com flores e colocando a mão posta uma sobre a outra num gesto de oração a espera da vida eterna, vamos nos embriagar, tomar umas cervejas, conhaques, cachaças e outras, não com intuito de tontos abrandarmos a dor do ente que não veremos mais, mas sim com a intenção de prestarmos uma última homenagem com uma grande festa comemorando a vida do falecido e daqueles que ali estão testemunhando a sua partida para outra dimensão da existência sobre o mundo.Uma festa onde pudéssemos sugar toda a essência da vida e refletir sobre a ampliação da vida que permanece.
Acreditamos que ao morrer não vamos para outro mundo, a vida eterna ocorre talvez de uma outra maneira, mudamos nossa condição de existência na terra, viramos adubo e proporcionamos a vida em outros seres vivos que fazem parte do universo, acredita-se que o mundo começou com um vírus e bactérias, talvez na morte retornemos a condição primordial, e reiniciamos o ciclo da vida no universo, inauguramos a vida nos cosmos.
Acredito que a arquitetura é dar forma a uma determinada postura frente ao mundo. Para pensar a morte entendo ser importante refletir sobre o tempo, a nossa percepção do vêm após a morte exerce grande influencia no nosso entendimento do tempo no mundo, pelo menos no mundo cristão, nesta explicação sobre o mundo acredita-se ao morrer somos conduzidos a outra situação da existência humana, que é melhor que a atual, um lugar perfeito onde não existe o sofrimento, é o famoso èdem, paraíso perdido.
Esta visão acerca da morte vai ao encontro à percepção humana sobre o tempo na modernidade, o tempo é linear, cada minuto que se passa sobrepõem ao outro num sentido sem volta e evolutivo, o futuro sempre mais avançado que o presente, este que por sua vez está à frente do passado. Este discurso evolutivo acerca do tempo justifica várias relações da sociedade, passando do campo tecnológico a dimensão social e cultural. Entretanto, o tempo circular, que explicava o mundo para o homem tradicional ainda está presente na realidade humana e acredito que esta outra percepção do tempo coloca o homem em maior contato como os outros elementos do mundo, o tempo circular é também o tempo da natureza.
O cemitério Alegre Thanatos Bar, tem uma forma que intenciona chamar atenção para o tempo circular, sair da vida para partir da morte e gerar outras vidas, a eternidade não está fora do mundo. O edifício Thanatos bar será circular, inicia-se numa grande espiral que forma uma rampa que leva ao subsolo circular onde ocorrerão as comemorações em homenagem ao falecido. Nas paredes deste compartimento estará inscrito os vários momentos da realidade humana que reforçam esta dimensão circular do tempo, dias da semana, meses do ano, entre outros. Será visível deste edifício somente parte da espiral antes de se conduzir para o subsolo, esta parte visível será revestida em aço, demonstrando um elemento construtivo high-teck em contraponto ao pátio de entorno todo em madeira como um deck. Um material rústico com outro com forte expressão industrial, demonstrando que por maior avanço que se tenha no fim o homem é submetido à natureza.
Imagens do Projeto: